de Leo Huberman
Em 1346 os estatutos das corporações artesanais ditavam:
“... se qualquer pessoa do ofício de curtir couro branco sofrer pobreza pela idade, ou porque não possa trabalhar ..... terá toda semana 7 dinheiros para seu sustento, se for homem de boa reputação”.
“Nenhum estrangeiro trabalhará no dito ofício... se não for aprendiz, ou homem admitido à cidadania do dito lugar.”
“...”
As corporações se preocupavam com o bem estar de seus membros. Era uma espécie de irmandade. Porém, é claro que os membros se uniam para reter em suas mãos o controle direto da indústria. Lutaram para manter o monopólio dos respectivos artesanatos, e não permitiam aos estrangeiros que se imiscuíssem em seu mercado.
Hoje em dia, o inventor de um novo processo, ou de um processo melhor, patenteia sua invenção, e ninguém mais poderá usá-la. Antes não existiam leis e as corporações se preocupavam naturalmente em ocultar seus segredos artesanais. Havia uma lei veneziana, de 1454 que indica um método: “se um trabalhador levar para outro país qualquer arte ou ofício em detrimento da República receberá ordem de regressar: se desobedecer, seus parentes mais próximos serão presos, a fim de que a solidariedade familiar o convença a regressar; se persistir na desobediência, serão tomadas medidas secretas para matá-lo, onde quer que esteja”.
Supervisores das corporações faziam viagens regulares de inspeção, nas quais examinavam os pesos e medidas usados pelos membros, os tipos de matérias-primas e o caráter do produto acabado, e os selavam. O preço não podia exceder ao valor da coisa, ou o contrário, era exigida justiça pela igualdade. Conseqüentemente, vender mais caro ou comprar mais barato uma coisa era considerado em si injusto e ilegal.
Mais uma vez a Igreja, com a aprovação de bons cristãos, prega sermão sobre o Sexto Mandamento, escolhendo como tema as palavras do Livro de Provérbios: “Não me sejam dadas riquezas nem pobrezas, mas o bastante para o meu sustento”
A noção do justo preço se enquadrava na economia do mercado pequeno, local e estável. Mas não se enquadrava na economia do mercado grande, exterior e instável. As modificações das condições econômicas provocaram modificação das idéias econômicas. Constataram que as mercadorias não tinham valor fixo, independente das condições. O justo preço foi, portanto, derrubado e substituído pelo preço de mercado.
A igualdade entre mestres tornou-se coisa do passado.
Outra causa do colapso do sistema de corporações foi o aumento da distância entre mestres e jornaleiros. O ciclo que até então havia sido aprendiz-jornaleiro-mestre, passou a ser apenas aprendiz-jornaleiro. Passar de empregado a patrão tornou-se cada vez mais difícil.
As associações, tal como os sindicatos de hoje, procuravam conseguir maiores salários para seus membros e, como os sindicatos, enfrentavam a resistência dos patrões. Queixavam-se às autoridades municipais, que declaravam ilegais as associações de trabalhadores ou jornaleiros.
Como era natural, a disputa sobre salários mais altos foi particularmente intensa no período imediatamente posterior à Peste Negra. Com a maior procura por trabalho, a tendência foi de grande elevação de salários.
O latim era a língua universal dos eruditos. As crianças não estudavam inglês, alemão, holandês ou italiano. Estudavam latim. Falava-se inglês, alemão, etc, mas essas línguas só mais tarde passaram a ser escrita. O monge espanhol com sua Bíblia na Espanha lia as mesmas palavras latinas que eram lidas pelos monges de um mosteiro inglês.
A religião também era universal. Quem se considerasse cristão nascia na Igreja Católica. Não havia outra. E, espontaneamente ou a contragosto, era necessário pagar impostos a essa Igreja e sujeitar-se às suas regras e regulamentos. Não havia limites estatais à religião.
Mas em fins da Idade Média, no decorrer do século XV, tudo isso se modificou. Surgiram nações, as divisões nacionais se tornaram acentuadas, as literaturas nacionais fizeram seu aparecimento, e regulamentações nacionais para a indústria substituíram as regulamentações locais. Passaram a existir leis nacionais, línguas nacionais e até mesmo Igrejas nacionais. Os homens começaram a considerar-se cidadãos e passaram a dever fidelidade não à sua cidade ou ao senhor feudal, mas ao Rei, que é o monarca de toda uma nação.
A ascensão da classe média é um dos fatos importantes desse período que vai do século X ao século XV. As antigas instituições que haviam servido a uma finalidade na velha ordem, entraram em decadência e novas instituições surgiram, tomando seu lugar. É a lei da História.
O mais rico é quem mais se preocupa com o número de guardas que há em seu quarteirão.
E a Igreja era tremendamente rica. Calcula-se que possuía entre um terço e metade de toda a terra – e, não obstante, recusava-se a pagar impostos ao governo nacional.
A Igreja julgava certos casos em tribunais religiosos, e muitas vezes a decisão da Igreja era contrária à do rei. Tanto que muitas vezes era difícil saber a quem cabia o dinheiro da multa ou suborno.
Os muitos abusos da Igreja não podiam passar despercebidos. A diferença entre seus ensinamentos e seus atos era bastante grande, e até os mais broncos podiam percebê-la. Enéias Sílvio, Papa Pio II escreveu: “Nada se consegue em Roma sem dinheiro”. Pierre Berchoire, que viveu na época de Chaucer, escreveu também: “Não é com os pobres que o dinheiro da Igreja é gasto, mas com os sobrinhos favoritos e os parentes dos padres”.
Os muitos escândalos e abusos da Igreja eram públicos e notórios muitos séculos antes de Martinho Lutero pregasse as suas “Noventa e Cinco Teses” à porta da Igreja, em Winttenberg, em 1517. Houve reformadores religiosos antes da Reforma Protestante.
A separação da Igreja Católica não aconteceu antes de Lutero, Calvino e Knox porque seus antecessores cometeram o erro de tentar reformar mais do que a religião. Wycliffe e Hus não protestavam apenas contra Roma, eles inspiravam um movimento comunista, ameaçando o poder e os privilégios da nobreza.
Já Lutero e os outros reformadores que o seguiram não comprometeram o apoio da classe dominante pregando doutrinas perigosas de igualdade. Lutero não era um radical.
Uma das razões do êxito de Lutero foi não cometer o engano de tentar derrubar os privilegiados. Outra razão importante para o advento da Reforma naquele preciso momento está no fato de que Lutero, Calvino e Knox apelavam para o espírito nacionalista de seus adeptos, num período em que esse sentimento crescia.
Antes, o direito da Igreja fora supremo; agora, o velho direito romano, mais adequado à necessidade de sociedade comercial, fora ressucitado; antes, a Igreja era a única que dispunha de homens cultos, capazes de conduzir os negócios do Estado; agora, o soberano podia confiar numa nova classe de pessoas treinadas no movimento comercial e consciente das necessidades do comércio e da indústria do país.
Esse novo grupo, a nascente classe média, sentia que havia um obstáculo no caminho de seu desenvolvimento: o ultrapassado sistema feudal.
A Classe média compreendia que seu progresso estava bloqueado pela Igreja Católica, que era a fortaleza de tal sistema. Então a saída era atacar a Igreja. E foi o que fez.
A luta tomou um disfarce religioso contra o feudalismo.
Foi denominada de Reforma Protestante.
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Em 1346 os estatutos das corporações artesanais ditavam:
“... se qualquer pessoa do ofício de curtir couro branco sofrer pobreza pela idade, ou porque não possa trabalhar ..... terá toda semana 7 dinheiros para seu sustento, se for homem de boa reputação”.
“Nenhum estrangeiro trabalhará no dito ofício... se não for aprendiz, ou homem admitido à cidadania do dito lugar.”
“...”
As corporações se preocupavam com o bem estar de seus membros. Era uma espécie de irmandade. Porém, é claro que os membros se uniam para reter em suas mãos o controle direto da indústria. Lutaram para manter o monopólio dos respectivos artesanatos, e não permitiam aos estrangeiros que se imiscuíssem em seu mercado.
Hoje em dia, o inventor de um novo processo, ou de um processo melhor, patenteia sua invenção, e ninguém mais poderá usá-la. Antes não existiam leis e as corporações se preocupavam naturalmente em ocultar seus segredos artesanais. Havia uma lei veneziana, de 1454 que indica um método: “se um trabalhador levar para outro país qualquer arte ou ofício em detrimento da República receberá ordem de regressar: se desobedecer, seus parentes mais próximos serão presos, a fim de que a solidariedade familiar o convença a regressar; se persistir na desobediência, serão tomadas medidas secretas para matá-lo, onde quer que esteja”.
Supervisores das corporações faziam viagens regulares de inspeção, nas quais examinavam os pesos e medidas usados pelos membros, os tipos de matérias-primas e o caráter do produto acabado, e os selavam. O preço não podia exceder ao valor da coisa, ou o contrário, era exigida justiça pela igualdade. Conseqüentemente, vender mais caro ou comprar mais barato uma coisa era considerado em si injusto e ilegal.
Mais uma vez a Igreja, com a aprovação de bons cristãos, prega sermão sobre o Sexto Mandamento, escolhendo como tema as palavras do Livro de Provérbios: “Não me sejam dadas riquezas nem pobrezas, mas o bastante para o meu sustento”
A noção do justo preço se enquadrava na economia do mercado pequeno, local e estável. Mas não se enquadrava na economia do mercado grande, exterior e instável. As modificações das condições econômicas provocaram modificação das idéias econômicas. Constataram que as mercadorias não tinham valor fixo, independente das condições. O justo preço foi, portanto, derrubado e substituído pelo preço de mercado.
A igualdade entre mestres tornou-se coisa do passado.
Outra causa do colapso do sistema de corporações foi o aumento da distância entre mestres e jornaleiros. O ciclo que até então havia sido aprendiz-jornaleiro-mestre, passou a ser apenas aprendiz-jornaleiro. Passar de empregado a patrão tornou-se cada vez mais difícil.
As associações, tal como os sindicatos de hoje, procuravam conseguir maiores salários para seus membros e, como os sindicatos, enfrentavam a resistência dos patrões. Queixavam-se às autoridades municipais, que declaravam ilegais as associações de trabalhadores ou jornaleiros.
Como era natural, a disputa sobre salários mais altos foi particularmente intensa no período imediatamente posterior à Peste Negra. Com a maior procura por trabalho, a tendência foi de grande elevação de salários.
O latim era a língua universal dos eruditos. As crianças não estudavam inglês, alemão, holandês ou italiano. Estudavam latim. Falava-se inglês, alemão, etc, mas essas línguas só mais tarde passaram a ser escrita. O monge espanhol com sua Bíblia na Espanha lia as mesmas palavras latinas que eram lidas pelos monges de um mosteiro inglês.
A religião também era universal. Quem se considerasse cristão nascia na Igreja Católica. Não havia outra. E, espontaneamente ou a contragosto, era necessário pagar impostos a essa Igreja e sujeitar-se às suas regras e regulamentos. Não havia limites estatais à religião.
Mas em fins da Idade Média, no decorrer do século XV, tudo isso se modificou. Surgiram nações, as divisões nacionais se tornaram acentuadas, as literaturas nacionais fizeram seu aparecimento, e regulamentações nacionais para a indústria substituíram as regulamentações locais. Passaram a existir leis nacionais, línguas nacionais e até mesmo Igrejas nacionais. Os homens começaram a considerar-se cidadãos e passaram a dever fidelidade não à sua cidade ou ao senhor feudal, mas ao Rei, que é o monarca de toda uma nação.
A ascensão da classe média é um dos fatos importantes desse período que vai do século X ao século XV. As antigas instituições que haviam servido a uma finalidade na velha ordem, entraram em decadência e novas instituições surgiram, tomando seu lugar. É a lei da História.
O mais rico é quem mais se preocupa com o número de guardas que há em seu quarteirão.
E a Igreja era tremendamente rica. Calcula-se que possuía entre um terço e metade de toda a terra – e, não obstante, recusava-se a pagar impostos ao governo nacional.
A Igreja julgava certos casos em tribunais religiosos, e muitas vezes a decisão da Igreja era contrária à do rei. Tanto que muitas vezes era difícil saber a quem cabia o dinheiro da multa ou suborno.
Os muitos abusos da Igreja não podiam passar despercebidos. A diferença entre seus ensinamentos e seus atos era bastante grande, e até os mais broncos podiam percebê-la. Enéias Sílvio, Papa Pio II escreveu: “Nada se consegue em Roma sem dinheiro”. Pierre Berchoire, que viveu na época de Chaucer, escreveu também: “Não é com os pobres que o dinheiro da Igreja é gasto, mas com os sobrinhos favoritos e os parentes dos padres”.
Os muitos escândalos e abusos da Igreja eram públicos e notórios muitos séculos antes de Martinho Lutero pregasse as suas “Noventa e Cinco Teses” à porta da Igreja, em Winttenberg, em 1517. Houve reformadores religiosos antes da Reforma Protestante.
A separação da Igreja Católica não aconteceu antes de Lutero, Calvino e Knox porque seus antecessores cometeram o erro de tentar reformar mais do que a religião. Wycliffe e Hus não protestavam apenas contra Roma, eles inspiravam um movimento comunista, ameaçando o poder e os privilégios da nobreza.
Já Lutero e os outros reformadores que o seguiram não comprometeram o apoio da classe dominante pregando doutrinas perigosas de igualdade. Lutero não era um radical.
Uma das razões do êxito de Lutero foi não cometer o engano de tentar derrubar os privilegiados. Outra razão importante para o advento da Reforma naquele preciso momento está no fato de que Lutero, Calvino e Knox apelavam para o espírito nacionalista de seus adeptos, num período em que esse sentimento crescia.
Antes, o direito da Igreja fora supremo; agora, o velho direito romano, mais adequado à necessidade de sociedade comercial, fora ressucitado; antes, a Igreja era a única que dispunha de homens cultos, capazes de conduzir os negócios do Estado; agora, o soberano podia confiar numa nova classe de pessoas treinadas no movimento comercial e consciente das necessidades do comércio e da indústria do país.
Esse novo grupo, a nascente classe média, sentia que havia um obstáculo no caminho de seu desenvolvimento: o ultrapassado sistema feudal.
A Classe média compreendia que seu progresso estava bloqueado pela Igreja Católica, que era a fortaleza de tal sistema. Então a saída era atacar a Igreja. E foi o que fez.
A luta tomou um disfarce religioso contra o feudalismo.
Foi denominada de Reforma Protestante.
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